Brasil: expectativas moderadas
12 March 2021
Com produto interno bruto negativo na faixa de 4% na melhor das hipóteses para o ano de 2020, a economia do Brasil entra neste novo ano com uma dificílima missão. Recuperar-se da queda provocada pela pandemia não será uma tarefa trivial, já que ela só não foi pior pelos enormes estímulos fiscais à sociedade e às empresas, que o Estado se viu forçado a fazer, mas que acabaram triplicando o déficit público.
A triste verdade é que os problemas que vinham se arrastando desde a recessão do período 2014-2016 nunca receberam tratamento nem próximo de uma solução. A realidade dos últimos cinco anos sempre foi a de um país com taxa de crescimento não maior do que 1%, um nível de desemprego que estabilizou em cerca de 14% (mas que de acordo com outras fontes pode chegar a mais de 20% se se contabilizam os grupos que já não procuram trabalho), e uma pesada desindustrialização. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio, o país perdeu nada menos que 36,6 mil fábricas entre 2015 e 2020.
A situação de estagnação econômica quase permanente encontrou, no ano passado, um alívio trazido pelo Banco Central. Com uma demanda interna muito baixa, a taxa básica de juros pôde baixar a um nível histórico, e atualmente está em 2%. Em função disto, se recuperaram alguns setores econômicos que são dependentes de consumo de longo prazo, como o imobiliário, e isto fez com que acontecesse uma recuperação significativa na atividade de construção de edifícios e toda a cadeia a ela associada.
Mas a verdade é que a construção imobiliária sozinha não é capaz de reverter a dramática situação econômica geral, principalmente porque enquanto sua atividade de edificação urbana vai bem, a infraestrutura de grandes obras não anda no mesmo ritmo.
Em cima de todo este complexo panorama, apareceu a pandemia de covid-19 com seus bem conhecidos efeitos. Resultado final: sem apresentar soluções suficientes para os problemas econômicos do país, o governo federal agora se vê diante de um nível de endividamento interno inédito, e poucas capacidades de gerar crescimento sem que se acelere a vacinação da população. E esta parte, lamentavelmente, não promete muito avanço. Até o momento, o Brasil vacinou pouco mais de 1% de sua população, e por não contar com lotes de vacina que estejam realmente de acordo com o tamanho da população, o governo poderá entrar em 2022 ainda vacinando.
Percepção de risco
O panorama de instabilidade se percebe nos setores econômicos. Recentemente, um manifesto assinado por 13 associações empresariais relacionadas ao setor de construção pede mais responsabilidade do governo federal. Entre as entidades que o assinam, estão a ALEC, que representa as locadoras de equipamentos, e a Sobratema, que reúne as fabricantes brasileiras e internacionais de máquinas pesadas.
“O que vivemos é uma crise sem precedentes. Os podres precisam exercer suas funções de maneira alheia aos partidos, visando sempre o bem estar da população em primeiro lugar (...) A pandemia desestabilizou todo o país, o povo está com medo e se faz indispensável a imunização de todos, independente da procedência da vacina, contanto que esteja autorizada pela ANVISA”, diz o documento dos empresários.
O manifesto das associações mostra uma preocupação que afetou a todo o país no início de 2021. Quando se anunciaram as primeiras vacinas e suas aprovações em muitas partes do mundo, os órgãos federais de saúde não demonstraram o senso de urgência que todos esperavam para dar início à vacinação massiva. Além disso, o fato de que a primeira vacina disponível para os brasileiros tenha sido de origem chinesa nos trouxe problemas de ordem política. As conhecidas restrições ideológicas do atual governo brasileiro à China fizeram com que o próprio presidente Jair Bolsonaro falasse contra a vacina produzida pela empresa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.
O resultado da disputa política (que ainda envolve as pretensões políticas do governador paulista) foi um impasse que agora faz com que tenhamos poucas doses para oferecer. Os impactos econômicos desta situação são evidentes: atrasa-se a retomada da atividade na maioria dos setores. Assim, as previsões para o nível de atividade dos primeiros três meses do ano são negativas para uma grande quantidade de economistas. “O primeiro trimestre será trágico, e talvez o segundo seja também problemático”, diz o professor de economia da Universidade de Brasília, José Luis Oreiro.
Uma das principais pesquisas regulares sobre expectativa de PIB do país, o Relatório Focus, feito pelo Banco Central por meio de sondagens a agentes do mercado, mostrou que a média das expectativas confirma o que diz o professor Oreiro. Em 17 de fevereiro, a média das expectativas para o PIB de 2021 voltou a cair. Na edição anterior do relatório, era de crescimento de 3,47%, e agora passou a ser de 3,43%.
De acordo com o Focus, a queda da economia em 2020 teria sido de 4,3%. Simultaneamente, a expectativa média para a taxa básica de juros é de aumento, o que não deixa de ser surpreendente. O mercado espera que a taxa básica seja de 3,75% ao final do ano, quase o dobro do nível atual. É um pouco difícil compreender um aumento tão pronunciado como este nos juros enquanto o país vive uma realidade de baixa demanda e alto desemprego. “Propor uma alta nos juros agora é como dar cloroquina ao doente de covid-19; não tem efeito positivo e pode piorar o estado de saúde”.
O consumidor vem sentindo altas importantes nos preços de certos produtos do varejo, quase todos relacionados com a desvalorização cambial no Brasil. No entanto, a expectativa média para a inflação de 2021 de acordo com o Banco Central é de não mais que 3,62%. De maneira que vêm crescendo as vozes que afirmam a necessidade de não subir os juros básicos, porque isto atrasaria ainda mais a retomada econômica do país.
Investimentos
Neste contexto de complicações, o país continua tentando se mexer, e os investidores privados têm alguns portos seguros para colocar seu capital. Felizmente, a construção imobiliária é um destes destinos.
De acordo com a Abrainc, entidade que reúne as empresas de incorporação imobiliária e compra e venda de imóveis, o trimestre setembro-novembro mostrou uma alta de 19,7% no lançamento de unidades residenciais ao mercado, diante de igual período do ano anterior. Nos 12 meses terminados em novembro de 2020, o lançamento de novas unidades foi 2,5% superior aos 12 meses anteriores. O número de vendas de novos apartamentos e casas no Brasil cresceu 28,9% entre setembro e novembro, na comparação interanual.
O que explica este dado muito positivo num contexto de tamanha incerteza é a manutenção da taxa de juros em baixa, e o reinício do programa de moradia social do governo federal, agora batizado de Casa Verde e Amarela. O programa de subsídios à construção e venda de moradia social continua mantendo o setor. Nada menos que 86,6% das novas unidades postas no mercado nos 12 meses terminados em novembro eram do programa. Nas vendas a realidade é a mesma: 77,2% do total de vendas de imóveis nos 12 meses até novembro foram de moradia subsidiada.
Assim, toda a cadeia de fornecedores do setor imobiliário se mantém ativa. O setor cimenteiro, por exemplo, divulgou que em dezembro seus números continuavam bons, com um crescimento de 16,6% em comparação a dezembro de 2019 (4,7 milhões de toneladas vendidas). Na comparação com o mês anterior, no entanto, houve uma queda de 13,2%, o que tanto pode indicar um freio à demanda como pode ser somente um reflexo de um mês tipicamente menos ativo. Seja como for, o resultado do cimento em dezembro consolidou um ano de crescimento significativo: 10,9% por sobre 2019, com vendas de 60,8 milhões de toneladas.
“Os principais vetores de crescimento na atividade foram o auxílio emergencial, a autoconstrução e as obras imobiliárias, que garantiram 80% das vendas de cimento”, afirma o Sindicato Nacional da Indústria Cimenteira (SNIC).
Com esta declaração, encaixa-se a peça que falta para entender o quebra-cabeças da economia brasileira de hoje em dia. A expressão “auxílio emergencial” entrou no vocabulário nacional com a pandemia de covid-19. Durante cerca de sete meses, mais de 60 milhões de pessoas receberam em se conjunto mais de R$ 300 bilhões, para que pudessem sobreviver aos dias de paralisia e instabilidade econômica que fechou muitas pequenas e médias empresas e aumentou o desemprego.
Mas, em um país com renda per capita de menos de US$ 10 mil, e muita desigualdade de renda, a distribuição de um apoio financeiro excepcional no valor de R$ 600 por alguns meses foi capaz de produzir um poder aquisitivo médio superior ao que a maioria dos brasileiros detinha antes de recebê-lo. Por mais difícil que seja acreditar, o povo apoiado pelo auxílio emergencial passou a ter uma renda maior – em sua maioria – do que tinha antes da pandemia.
Evidentemente, parte significativa do auxílio emergencial se transformou em obras nas favelas e periferias urbanas, além de melhorar o nível de consumo entre os mais pobres. Não obstante, a economia nacional terá caído em 2020 entre 4 e 4,5%, o que faz pensar com calafrios no que teria acontecido se não tivesse havido o auxílio. Sendo assim, a conclusão forçada pela realidade é que os principais fatores para a recuperação econômica do Brasil são a vacinação e a continuação de algum nível de auxílio financeiro à população, como já discute o Congresso Nacional. Mas ambos os fatores, mesmo resolvidos, apenas devolvem o Brasil ao estado de baixo crescimento dos anos anteriores.