Mês das Mulheres: como elas impulsionam o avanço da indústria da construção no país
08 March 2023
Profissionais femininas dedicam um tempo maior em qualificações e capacitações e ganham espaço com competência e talento no setor que, antes, era considerado masculino.
Quando olhamos os canteiros de obras, ainda que rapidamente, percebemos essa essência. Marcante. Firme. Tesa.
Enquanto acontece a Conexpo, maior feira de construção da América do Norte, uma figura chama atenção: a gerente de Marketing da Link-Belt Latin America, Lúcia Guariglia. Ela caminha por entre as enormes máquinas da companhia com uma desenvoltura lancinante que mira a força e elegância, numa junção de competência e feminilidade pra lá de fascinante e que, indubitávelmente, contrastam com o setor, considerado majoritariamente masculino.
“Pude esculpir meu espaço, com muito trabalho e dedicação, mas sempre mantendo minhas características principais, como diligência, doçura e uma dose extra de resilência para lidar com quaisquer barreiras que me fossem impostas. Conto com uma equipe maravilhosa, e que me apoia e incentiva. Juntos galgamos avanço e desenvolvimento, e essa parceria é enaltecedora. Creio que ainda há muito a se caminhar, mas se há alguém capaz de mudar qualquer ambiente, somos nós mulheres.”, decreta a executiva.
Em seu perfil, nas redes sociais, Lúcia visa incentivar outras mulheres. Para ela, a busca pelo pertencimento começa com o autoconhecimento. Conhecer-se a si mesma, seus talentos, suas habilidades e emoções são aspectos importantes para se empoderar no ambiente pessoal e profissional. “Muito além de aceitas e pertencidas, ou nos moldando às situações que nos são impostas, devemos ser felizes e isso significa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.”, acrescenta.
O IBGE constatou: houve uma expansão de 120% da presença feminina no segmento da construção entre 2007 e 2018. Ou seja, o espaço das mulheres na construção civil não para de crescer.
Por trás desse movimento, mulheres fortes e um alicerce moral especialmente benéfico e sustentado para o bem comum.
Olhar crítico e atencioso
O Sebrae, que capacita e evidencia a presença feminina no setor, afirmou que esse crescimento é resultado da expansão da construção civil no Brasil nos últimos anos. Em 2021, o PIB do segmento cresceu 8%, conforme o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com isso, a necessidade de profissionais cresceu e novas oportunidades surgiram para o público feminino, que tem agarrado a chance de se tornar cada vez mais presentes nos canteiros de obras.
Sem querer puxar sardinha para o lado delas, não me parece exagero dizer que as mulheres trazem consigo para o mundo uma virtude específica, uma dádiva divina que as torna peritas em instilar qualidades como a fé, a coragem, a empatia e o refinamento nos relacionamentos e nas culturas. Tudo isso, levado paro o mundo dos negócios, é claro, traz como resultado atividades mais analíticas e tomadas de decisão estratégicas que somadas ao olhar feminino, produzem motivação, proatividade e sucesso.
Graduada em Engenharia Mecânica na Universidade São Judas, pós-graduada em Motores de Combustão no Senai, Tamiris Pereira da Silva assumiu o cargo de supervisora da oficina do GHT Serviços em abril de 2022 e em outubro do mesmo ano a presidência da CIPA. Sob a gestão dela estão 11 colaboradores, sendo 6 deles mecânicos alocados em uma área de 3.100 m², onde motores, componentes de trem de força e suspensões hidráulicas Caterpillar são remanufaturados. Tamiris Pereira da Silva assumiu o cargo de supervisora da oficina do GHT Serviços em abril de 2022.
A equipe supervisionada por ela, junto com o especialista técnico, é responsável pela realização dos testes de motores (no dinamômetro) e de transmissão (equipamento de teste hidráulico) necessários para simular a operação em campo dos componentes, corrigindo e ajustando eventuais problemas de montagem, material e ou performance.
“Houve momentos em que nem a minha família e amigos acreditavam na minha carreira em áreas técnicas, devido à dificuldade de entrar no mercado. Infelizmente, quando eu terminei o curso de Mecânica de Usinagem no Senai, em 2005, como melhor aluna naquele ano, eu não fui chamada para entrevistas de emprego por ser mulher”, lamenta, já que todos os alunos homens que já ganharam o prêmio saíram empregados.”, conta, vitoriosa.
Mas ainda que, com avanços inegáveis, as mulheres precisam lidar com desafios e desconfiança e fazer valer sua capacidade e competência para assumir um cargo de liderança e mostrar grandes resultados ano a ano.
Avanços e mentalidade
Elas se diversificam: são engenheiras e arquitetas, mas também pedreiras, serventes, carpinteiras, ajudantes de obras, técnicas em edificações e segurança do trabalho, entre outras funções onde, dotadas de confiança em suas habilidades e em seu potencial, fazem a diferença em canteiros de obra mundo afora.
Formada em arquitetura e atuando na área desde 2011, Paula Jansen é Diretora Executiva do Grupo ADN. Além de liderar o comitê de sustentabilidade da empresa, sendo responsável pela criação do comitê de inovação.
No último ano de faculdade, Paula teve a oportunidade de se juntar a profissionais que estavam criando a ADN Construtora. De estagiária a diretora, a executiva passou por todos os setores da empresa, criando muitos deles e auxiliando na estruturação dos demais. Para além de se desenvolver tecnicamente em diversas áreas, Paula se encontrou na gestão de pessoas.
Para ela, mulheres e homens possuem diversas habilidades e que isso está muito mais relacionado às personalidades das pessoas e ao seu contexto de criação. Mulheres são bastante cobradas para terem responsabilidades e se portarem de forma mais controlada desde muito cedo.
“Acredito que existam oportunidades interessantes e que cada vez mais o setor tem amadurecido e se aberto para a participação do público feminino em diferentes áreas. Mas vejo ainda muitas barreiras em determinados segmentos e, principalmente, a partir de um determinado nível de liderança. Acho que a mulher ainda é vista como uma mão de obra que pode ser mais cara ou mais instável para as companhias e por isso acaba sendo excluída de oportunidades.”, afirmou.
Outra que ganhou visbilidade no segmento foi a Raquel Hoffmann Reck, Eng. Civil, M.Sc. e Doutoranda do PPGCI e NORIE/UFRGS com período como pesquisadora visitante na University of Texas at Austin, TX, EUA. 14 anos de experiência em gestão da produção, com o foco em simulação computacional, modelagem BIM, Projeto do Sistema de Produção, Planejamento e Controle da Produção e Construção Enxuta.
Ela conta que precisou de muita sabedoria para alinhar barreiras e incentivos que nunca a fizeram desistir: “A dificuldade maior foi principalmente pela falta de modelos femininas, demonstrando como poderia ser a minha carreira como engenheira. Entrei na faculdade em 2005 e posso indicar poucas mulheres professoras dentro da UFRGS. Atualmente, esse número é expressivamente maior, e muitas dessas mulheres são inspiração para mim, fazendo pesquisa de ponta sem perder o lado humano que o perfil feminino trás para qualquer ambiente de trabalho. Também lembro da época em que não existiam banheiros femininos em canteiros de obras. Mas aos poucos essa situação foi mudando e hoje é comum termos estagiárias, engenheiras e operárias mulheres. “, celebra.
Comprometimento e valorização
Ainda que com peculiaridades, cai por terra a ideia de que construção civil e o canteiro de obras são uma zona de força bruta, e surge a gratificação de ser mola propulsora desse conceito. De fazer valer a força feminina sem achismos e com respeito e relevância.
Amanda Machado, Diretora de Novos Negócios, Mineração e Licitações da XCMG, conta que é preciso melhorar a mentalidade dos empregadores do setor sobre a capacidade, a formação e as vantagens de se aumentar o número de mulheres nos canteiros de obras.
“Oportunidade destinada ao público feminino no mercado de máquinas são poucas, porém quando existe mulheres que ousam e enfrentam, logicamente associado a um empregador que também ousa tenta a inserção das mulheres no seguimento, percebe o resultado e com isso as oportunidades tempo a tempo aumenta!!”, decreta.
Ela acrescenta que a mulher possui um ponto mais forte que é a habilidade de se ajustar aos momentos, as circunstancias a flexibilidade e até mesmo o olhar crítico e na percepção dos casos. E que não foram poucas a barreiras e preconceitos superados. “Até hoje eu chego nos locais e existe sempre o comentário nossas mulheres na gestão e com máquinas!! Inclusive brinco: meu lado masculino esta no profissional porque de fato faz diferença!!”
E mesmo que com um tortuoso caminho a percorrer, as mulheres entraram nesse ramo para ficar. E transformar.
Débora Coting Braga Rosa, Engenheira na Odebrecht Engenharia e Construção, formada em 2011 pelo Instituto Mauá de Tecnologia, em São Caetano do Sul - SP e Mestre em Engenharia de Estruturas em 2015 pela Escola Politécnica da USP. Docente no Curso de Engenharia Civil na Mauá na disciplina de Estruturas Metálicas desde 2016. Atua há 12 anos na área de Métodos Construtivos como apoio de engenharia na Construtora em diversos segmentos da área Industrial, Infraestrutura, Óleo e Gás.
Ao longo da carreira, viu muitos paradigmas se desfazendo e não foi nada fácil presenciar essa evolução. “É necessário que cada vez mais as empresas reconheçam essa situação e procurem formas de apoiar as mulheres. Em um ambiente predominantemente masculino já avançamos muito, mas certamente sempre há espaço para melhora.”, avalia.
Para Debora, no geral as mulheres são mais detalhistas, organizadas e com grande autocrítica. E esse fator muitas vezes acaba sendo uma barreira para se lançarem em novos desafios. Para uma mulher aplicar a uma vaga de trabalho ela acha que precisa cumprir (muito bem) todos os requisitos. Já os homens são mais corajosos, ou atrevidos, e acham que estão aptos para a vaga mesmo se preencherem metade dos requisitos. “Pela minha experiência, vejo que mulheres em posição de liderança têm um desempenho melhor do que os homens na mediação de conflitos. Costumam ser menos reativas, possuem espírito de servir, isto é, são prestativas e engajadas e preocupam-se com o bem-estar da equipe e dos colaboradores. Isso torna o ambiente de trabalho mais harmonioso e produtivo.”, termina ela.
“Nunca as mulheres são tão fortes do que quando se armam com as suas fraquezas.” George Sand